Em
20 de março de 1940 foi fundada a Sociedade Recreio dos Anciãos,
atual Residência Santiago Apóstol.
O
mentor e idealizador foi o emigrante espanhol Manuel Barreiro Cavanelas,
natural de La Lama, nascido na província da Pontevedra, localizada
na Galicia, norte da Espanha. A maior preocupação do Fundador
era proporcionar um bom tempo de vida aos compatriotas da terceira idade,
suprindo as reais necessidades dos menos favorecidos pelo destino. dentre
estas as necessidades que viriam a passar.
Como um grande visionário que foi, Cavanelas contou com a ajuda
e o apoio de um grupo de cerca de cinquenta amigos emigrantes espanhóis
que se tornariam também sócios fundadores desta Casa.
Foi dentro desde sonho que estes amigos e colaboradores do nosso fundador
viram a necessidade de construir com bases sólidas a Casa que
viria receber o nome de Sociedade Recreio dos Anciãos.
A idéia foi buscar a contribuição dos recursos
necessários para construção de um complexo residencial,
com suas duzentas habitações, biblioteca, teatro, capela,
salas de jogos, terapias e jardins arborizados e toda a infraestrutura
necessária para seu bom funcionamento. O objetivo maior de fundar
a Casa foi claramente a assistência à terceira idade, onde
o acolhimento aos idosos incluisse cuidados constantes em um ambiente
de sossego, e, em que, além da tranquilidade, recebessem também
carinho para que continuassem mantendo o encanto de viver, tornando
mais agradável suas existências.
Seguindo
fielmente as diretrizes de seu fundador, a diretoria atual não
mede esforços para dar continuidade à obra desse grande
espanhol, abrigando pessoas de ambos os sexos, sem distinção
de religião, cor ou nacionalidade.
A
Casa se compromete a manter da melhor maneira possível o legado
que Cavanelas deixou, sempre respeitados até hoje pela Associação
que exigiu que fossem condições constantes no estatuto
da Sociedade que posteriormente se tornaria uma Associação.
A
Residência recebeu o nome de Santiago Apóstol, patrono
da Espanha e o primeiro apóstolo de Cristo a ser martirizado
e que é seu nome fantasia, é considerada uma entidade
modelo na assistência à terceira idade na América
do Sul.
Manuel
Barreiro Cavanelas nasceu em 1867, na localidade de Laxedo, Paróquia
de São Sebastião de Covelo, em 11 de julho, Dia de São
Bento. É o primogênito da família Miguel Barreiro
Pracias e de Rosa Cavanelas. O Covelo de Manuel Cavanelas é igual
à maior parte das aldeias galegas daquele tempo, uma terra com
poucos recursos onde a fome, a dispersão dos habitantes e o analfabetismo
marcaram verdadeiramente o destino de homens e mulheres.
Em
09 de março, justamente três anos após a morte do
pai, o adolescente Manuel, com 16 anos de idade e 30 libras de ouro
no bolso, toda herança que lhe foi deixada, abandonou o lar sem
comunicar à sua mãe. Foi caminhando até Portugal,
chegando a Lisboa, onde dias mais tarde embarcou no navio inglês
"Trent" rumo ao Rio de Janeiro, sem ter ninguém a esperá-lo.
Uma longa viagem, um país desconhecido e muitas esperanças.
A primeira atividade de Manuel Cavanelas no Rio foi em um armazém
perto do porto. As condições de vida nos primeiros meses
foram muito duras. Seu trabalho, igual ao da maioria dos galegos estabelecidos
no porto, era atender e resolver as necessidades dos emigrantes que
desembarcavam no país. Cavanelas, porém, demonstrando
ser um rapaz inquieto, antes mesmo de completar um ano de sua chegada
ao Brasil, optou por deixar o seu trabalho escravo e se tornar vendedor
ambulante de uma loteria no centro da cidade. Assim, passou ser autônomo,
abrindo caminho para uma carreira muito bem sucedida. A sua inteligência
e dedicação ao que fazia o converteram em sócio
da lotérica, sendo convidado também a gerenciar uma das
lojas do grupo.
De tal jeito o jovem Cavanelas ascendeu na vida social do Rio de Janeiro
que, com apenas 20 anos (1887), passou a fazer parte do Clube Fenianos,
frequentado por grupos de intelectuais e comerciantes endinheirados
que começavam a surgir no país. O Clube, no início,
era formado por emigrantes irlandeses que propunham a independência
da Irlanda, além de denunciar a situação social,
política e cultural que viviam no Brasil, todas essas manifestações
feitas através da música e de bailes. Cavanelas acabou
sendo presidente dos Fenianos.
A partir de 1887, a biografia de Manuel Cavanelas começou a ser
valorizada através de diversas publicações da imprensa,
que ressaltava o seu trabalho e a sua pessoa. Ele era descrito como
um homem ativo e dinâmico que se destacava como promotor do carnaval
carioca, já naquela época uma festa popular de prestígio
no Brasil. Entre as pessoas de sua relação, nobres e ilustres
brasileiros, como o Barão de Vila Isabel, ou intelectuais como
Olavo Bilac, eleito o Príncipe dos Poetas Brasileiros.
Por volta de 1890, foi nomeado auxiliar do Barão de Vila Isabel,
introdutor do jogo do bicho, loteria informal que acabou por enriquecer
os dois amigos. Foi também através do Barão que
Manuel tomou conhecimento do projeto urbanístico do futuro bairro
de Vila Isabel e conheceu o líder abolicionista Joaquim Nabuco.
O ano de 1895 foi importante na vida de Manuel Cavanelas, que comprou
um valorizado imóvel comercial no centro financeiro do Rio de
Janeiro, com a finalidade de destiná-lo à Casa lotérica.
A partir daí, transformou-se em grande empresário do ramo
imobiliário, da hotelaria, da construção, da moda
feminina.
Com situação financeira invejável, Manuel sempre
enviava dinheiro e jóias para a mãe, na expectativa de
um sonhado reencontro em terras cariocas, mas isso acabou não
acontecendo, porque Rosa faleceu no dia 18 de maio de 1897, em Covelo,
aos 48 anos. Manuel consolou-se enviando grande parte do seu dinheiro
pra as vítimas da guerra em Espanha.
Referindo-se ao seu feito altruísta, numa entrevista publicada
anos mais tarde (1948), Manuel afirmou: “He experimentado
en la vida la felicidad de volver a ser pobre". Por esta declaração,
a rainha regente Maria Cristina da Espanha lhe concedeu um título
nobilário, porém Manuel não recebeu a condecoração,
devido à ausência de procurador em Madri ou de uma pessoa
que o representasse no Ministério.
Entre 1901 e 1906 comprou uma propriedade, transformando-a numa ampla
e cômoda moradia com jardim e horta no bairro da Lapa. A partir
daí, a Lapa tornou-se o seu bairro, onde montou um negócio
de arte em uma boa loja de antiguidades.
Ao mesmo tempo, dedicou-se à construção na Rua
da Carioca. Abriu um escritório, rapidamente convertido em centro
comercial de relevância e atração para imigrantes
espanhóis que entravam no ramo do comércio. Mais tarde,
investiu na construção de um edifício na Avenida
Central, hoje Rio Branco, a mais destacada da artéria da cidade.
Ao longo dos anos, ele foi acumulando dinheiro, poder e cargos, entre
eles o de presidente do Hospital Espanhol do Rio de Janeiro. Uma prova
do seu tirocínio comercial foi a venda de um edifício
na Avenida Rio Branco, em 1940. Com o dinheiro obtido, construiu a residência
para terceira idade, Associação Recreio dos Anciãos
(Residencia Santiago Apóstol) com mais de 30 mil m2, formada
por três pavilhões de cinco andares e 200 apartamentos
na Tijuca.
Na primeira década do século XX, Manuel Cavanelas optou
por realizar uma grande obra em Covelo, o Grupo Escolar Manuel Barreiros
Cavanelas, constituído de dois edifícios situados no bairro
de Portela. O objetivo foi abrigar mais de 150 alunos de todas as paróquias
de A Lama, além de jovens de outras províncias, como Ourense.
No Grupo Escolar, foi possível alfabetizar toda a comarca, e
abrir caminhos profissionais, com aulas acadêmicas normais e cursos
de canteiro, corte e costura, música, etc.
Manuel Cavanelas passou longo tempo administrando o colégio.
Foram anos muito felizes. Ele viajava com frequência para Pontevedra,
onde foi enaltecido pelo seu trabalho filantrópico como importante
benfeitor (1) do Asilo de Pontevedra e do próprio Hospital Provincial.
Desde 1942, no jardim da fachada principal do Centro Hospitalar, pode-se
ver uma estátua dedicada a Manuel Barreiros Cavanelas, com busto
em relevo, feito em bronze, que representa o próprio, e sobre
o pedestal ergue-se São Sebastião, Padroeiro de Covelo
e Pontevedra. O conjunto da obra é do conhecido escultor Francisco
Asorey.
Em 1922, Manuel retornou ao Rio de Janeiro, mas não deixou de
fazer melhorias no colégio e em Covelo, como a canalização
das águas, reflorestamento dos montes, saneamento, criação
de fontes, além de preocupar-se com a infraestrutura de sua paróquia.
Manuel Cavanelas, no decorrer destes anos, fazia ponte entre os dois
países, e quando estava em Covelo, não deixava de trabalhar
e de compartilhar a vida com os vizinhos e familiares. Em Julho de 1936,
foi surpreendido pela Guerra Civil Espanhola que o fez voltar imediatamente
ao Rio de Janeiro, afirmando: "Me duele España en el alma,
sé que no volveré, pero no olvidaré a mi pueblo."
E realmente assim foi: Cavanelas não voltou à sua terra,
porém não deixou de mandar dinheiro para continuação
das suas obras. Até que a morte o surpreendeu no dia 22 de agosto
de 1950, no Rio de Janeiro, a terra que o viu crescer.
Nota: (1) Em 1929 foi reconhecido pelas autoridades de Pontevedra
como importante benfeitor, pelo seu trabalho altruísta em favor
de Instituições beneficentes provinciais que dizem textualmente:
"Até este momento ninguém o igualou".
Créditos: Texto extraído de "A Pedreira", revista
cultural e turística da Prefeitura de A Lama (Espanha).